Rema rumo
"(...)Rema que rema, lá em terra falaremos"
(Rema- Música popular dos Açores)
Logo no início do confinamento de 2020 conheci a música <<Rema>> interpretada pelo grupo Brigada Victor Jara. Desde então a cantiga me acompanha e ecoa melancolicamente, reposicionando a memória sobre as desilusões do presente, embalada pela visão constante da baia de Seixal de frente à minha morada, povoada de barcos e veleiros, com os olhares atentos às trocas das marés e à intensidade do vento.
Viver a incerteza do momento como quem flutua de costas sem saber o destino.
Apesar de estar atenta às histórias da terra, sobre a terra, na linguagem que ela faz brotar, os contos e metáforas deste lado português, marcado pela navegação, são regados de mar, da água do desconhecido e do anseio de retorno à terra.
Rema rumo. Isabelle Catucci. Cerâmica, terra, relva, remo encontrado na praia. 3,00 x 1,40 x 0,35 m. 2020-21. Foto: da autora.
Rumo forçado, remo quebrado,
rumo cindido, barco partido.
A saudade da terra é um lamento daqueles que sentem a falta de uma parte, uma raiz qualquer espalhada sem rumo, nutrida pela partilha, nos enlaces subterrâneos dos sentidos que não estão à vista. É o sentimento da falta de pertencimento.
Passado humano contido em migrações, refugiados de terras distantes, de realidades fundadas em destinos malgrados. Os rumos dos deslocamentos impelidos por forças incontidas e a carícia dos remos na sujeição dos trajetos.
Os blocos de cerâmica, vasos e continentes, um compacto, outro permeável à relva, são unidos pela luz do equinócio de primavera, refletida com nitidez no chão do galpão. No espaço intermediário entre as cerâmicas está o antigo remo, objeto encontrado na praia junto ao banco de conchas e mariscos, quebrado, pintado, carcomido. A imagem de lancha formada pela luz que atravessa o espaço em hora específica para diluir-se momentos depois, reconfigura-se como círculo no final da tarde na superfície perpendicular da parede, forma em trans formação, atravessadora de sentidos.
Um barco que é luz, uma embarcação que é terra dividida, de um lado contida, do outro, contentora, entre elas, o impulso quebrado dos rumos.