Reinscrever no espaço os desígnios de um pensamento solto que aos poucos cai, aglomera e amontoa teorias, motivos, temas.
Os trabalhos instalados tramam conversas, diálogos de aproximação e discórdias em sobreposição. A tarefa de elencá-los, fazê-los respirar ou ainda apoiar a peça no ponto de vista mais interessante é a parte mais esperada no processo criativo, é o tempo de expectar, espiar de longe e adentrar.
Na segunda parte da exposição Histórias de terra, entramos no espaço por duas vias. Na primeira, uma porta de terra em desmonte, na horizontal, a instalação Reentrâncias. Na segunda via, um quadripé com um bico-boia, mais próximo de um pássaro a alavancar uma propulsão, ao lado da mala na instalação Enfileiramento dos possíveis.
Ao entrar em uma exposição, não há razão para o pensamento projetar voo, andamos simplesmente, os materiais convidam-nos e deixamo-nos passear neste trajeto.
Bico-isca é uma reunião de objetos encontrados em meus caminhos, desde minha casa ao ateliê, nos desvios e pausas deste trajeto. A boia de pesca encontrada sem o fio, a vara ou o peixe. A base de madeira pintada de verde, resquício da fábrica de rolhas, sem a cortiça e as ferramentas que davam-lhe sentido. O ferro dobrado carcomido sem o navio ou as amarras da corda. A pena deixada pelo pássaro encontrada em uma tarde de sol. Não há relação causal para a junção, apenas o acaso do encontro e o desejo de reunião.
A deriva, em seu aspecto aéreo e a coleta, das coisas do chão, unidas, permitiram uma homenagem aos pássaros, companheiros constantes durante a residência artística, espécies que povoam os galpões da antiga fábrica Mundet e relembram a noção de coabitação do mundo.
Bico-isca. Suporte em madeira e objetos encontrados: boia de pesca da praia, pena de pássaro do parque, instrumento abandonado da fábrica de rolhas. 1,40 x 0, 45 x 0,40 cm. Foto da autora, 2021.